quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Ana II

Ana tentou.
Lutou pra esquecer.
Sumiu, e achou que tinha passado. Ledo engano, Ana.
Tudo só estava dormindo, e ameaçava sempre acordar.
Todo dia um pouquinho. Só que ela fingia que não era isso.
Dizia ser só um resquício, um eco.
Mentira. No fundo sabia que nada tinha mudado, e que a culpa disso tudo estar confuso dentro dela era dela mesmo.
É... Ana, agora eu quero ver.
Ainda bem que a voz amiga diz: "O peito vai pesar um tempo, vai doer constante. Mas com sorte passa. Você nem vai sentir depois."

Ana e sua mania de internalizar e fazer adormecer sentimentos...

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Ana.

Ana não sabia mais o que fazer.
Não tinha vontade de comer, nem de dormir. Não queria ir pra rua, não pensava em seu cachorro, não queria ver a mãe, nem o pai, nem as tias.
Sonhou que estava sozinha em um pedaço de iceberg no pólo sul, e acordou achando que tivera o melhor sonho da vida!
Queria nunca mais ter que trabalhar com coisas das quais não gosta, queria nunca mais ser cobrada por não ter feito algo que disse que ia fazer, queria não ser reprimida por fumar, ou por comer demais, ou por gritar tanto enquanto gozava.
Queria poder ser, e somente ser tudo aquilo que era. Sem considerações, lições de moral, palpites alheios ou qualquer coisa do gênero. Sem elogios ou bajulações também.
Ana queria o mundo, e o mundo chamava insistentemente por ela.
Ela ouvia, mas quem disse que conseguia chegar até ele?
Então parou por um segundo em seu quarto, deitou na cama, contemplou o teto e chegou à conclusão de que ia ser sempre cobrada, sempre reprimida por fazer o que quer, e não conseguiria atender ao pedido do mundo.
Simples assim...

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

samba pro meu eu

se for chorar, não deixe a lágrima rolar e alcançar as nossas horas mais sutis
pegue o batom.
escreva com letras de mão aquele não que você disse assim sem mais
hoje desfaz-se o seu encanto em meus lençóis

não vou mais me importar
se você não se lembrar de se lembrar de mim
meu bem, você não vai voltar pra tirar o meu sossego
me deixa dormir.

meu coração já não consegue mais bater
por não saber se você finge se queixar
por não estar mais ao meu lado nesse duo

não vou mais me importar
se você não se lembrar de se lembrar de mim
meu bem, você não vai voltar pra tirar o meu sossego
me deixa dormir.
me deixa viver.
me deixa sentir outro amor nascer em mim.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

deusa

cheguei tarde. atrasado como sempre.
peguei um ingresso e sentei na ultima fileira, pra não chamar sua atenção.
você estava radiante, linda, naquele palco tão iluminado.
seus olhos, fustigantes, ofuscando até a iluminação do teatro, conseguiram perceber-me, e sorriram leves, mesmo que seu rosto não demonstrasse sorriso algum.
degluti cada trejeito, cada gesto teu, como se deles dependesse a minha própria existência.
cerrei os punhos de dor, vivenciei aquela cena como se dela fizesse parte.
as tuas mãos pairavam no ar. moviam-se lenta e graciosamente, iluminadas.
ao fim de tudo me desfiz em aplausos, assim como o resto de todo o público ali presente.
me retirei e fui esperar-te no lugar de sempre.
quando saístes, me senti vazio, e não consegui reconhecer-te.
onde é que estava a deusa que vira em cima daquele palco? pra onde diabos tinha ido?
deixei-te passar por mim, beijar-me a face.
saquei do instrumento pontiagudo que guardava no bolso do paletó.
uma. duas. três punhaladas me foram suficientes pra reconhecer, assim como quando cheguei, a exata expressão que tanto me atraía.
deixe-te ali, a jorrar.
a deusa havia partido...

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

calmaria (2)

eu cresço.
me alimento do seu passo tímido. te oriento.
esqueço da hora. me meto em salseiro.
padeço em tua cama.
começo.
o fim vem bem cedo.
conheço meu simples desejo: o vício.

mantenho meu firme propósito.
não venho. te deixo ao meu lado.
solfejo
e grito pro mundo
que hoje, o meu mundo, se faz a sua volta
aos seus pés
e adiante.

(pra onde fez meu tempo mudar...)